Due to this article’s length, I thought it wise to publish the English and Portuguese versions separately. For the English version, please click here.
Alguns de vós podem ter notado um certo silêncio (falta de publicações) neste blogue nos últimos tempos. Por um lado, o trabalho de doutoramento vai-se acumulando como nevões de inverno. Tempus fugit. Por outro, o meu desejo de mostrar algumas das últimas peças de recriação que me chegaram às mãos nos últimos tempos, o que envolveu superar alguns atrasos dos CTT. Finalmente, porém, posso mostrar-vos estas duas espectaculares peças, enfim concluídas: a minha celada e a minha babeira, feitas pelo talentoso Maks Izobov. Porque não me quero ficar apenas por uma apresentação sem mais nem porquê, esta mostra inclui também as palavras do próprio Maks sobre o processo de concepção e construção das peças.
A CELADA

Esta celada é uma combinação de várias fontes, sempre subjugadas à estética das Tapeçarias de Pastrana. Ao contrário de muitos outros elmos, que começam como cópias de peças já existentes, o desenho desta peça começou pela viseira, fortemente baseada na viseira de celada que se encontra actualmente no Museu Militar de Lisboa, e que já partilhei neste mesmo blogue (aqui). Foi complicado encontrar uma outra celada que me enchesse as medidas para servir de base, mas acabei por me apaixonar pelo crânio de uma celada do Musée de l’Armée em Paris (que podem ver aqui). As formas subtis mas elegantes desta celada francesa conjugam-se perfeitamente com as formas que vemos nas Tapeçarias. “O maior desafio foi escolher o casco certo para a viseira de Lisboa. É evidente que, sendo que o estilo era suposto ser Italo-Franco-Flamengo, era possível traçar paralelos com elmos semelhantes sobreviventes, tendo no entanto em conta a parte frontal mais convexa da viseira de Lisboa e a ausência de uma crista pronunciado (início da crista na parte superior da viseira)”, segundo Maks.

É possível ver na viseira uma fractura que corre da ponta do “nariz” ao bordo inferior. Esta linha, que também se encontra na viseira original, é resultado de um processo de moldagem que Maks tentou reproduzir, num autêntico exercício de arqueologia experimental. Segundo ele, “trata-se de uma linha de sobreposição do metal durante a moldagem da chapa num cone. Este método ocorre noturas peças coevas. Ajuda a formar rapidamente o volume inicial, evitando o esforço de moldagem de raiz.”


“[Na peça original] Há também um orifício no qual pode ter havido um rebite que une a sobreposição. Não se consegue ver a linha de sobreposição a partir do interior – a peça do museu tem camadas de metal corroído a partir do interior, visivelmente enferrujado (pelo menos não consegui ver nada nas fotografias). O objectivo foi tentar repetir este método.”

“Devo dizer que, apesar de algumas economias iniciais de tempo, me debati com esta viseira durante um bom bocado. Apesar do seu aparente primitivismo, houve certas dificuldades em formar as fendas oculares e com a geometria exacta da peça. Este é um problema comum na “reconstrução por fotografia”. Lamento sempre não poder ter os artefactos nas minhas mãos, fotografá-los e medi-los eu próprio…”



O encaixe da celada à cabeça é perfeito, como se pode verificar pelas fotografias acima. Parte da responsabilidade deste ajuste à cabeça recai no forro interior acolchoado, constituido por gomos de algodão cru entre camadas de linho grosso. Este forro pode ser ajustado – apertado ou afrouxado – com a ajuda de um atilho interior. Também podemos ver aqui a alça com a sua fivela de bronze. “O comprimento da alça da celada permite prendê-la tanto sob a babeira como por cima dela. Podemos ver este método em muitas fontes visuais”, uma das quais é a famosa tapeçaria de c. 1477-1480 que representa Jean de Daillon (que se pode ver aqui).
A BABEIRA

Esta babeira é baseada em duas peças: uma babeira espanhola que se encontra no acervo do Palácio de Vila Viçosa ( inv. 136), e uma peça vendida pela leiloeira Hermann Historica. O bordo superior coordena-se esteticamente com o bordo inferior da celada, uma aproximação propositada entre duas peças que apesar de tudo foram concebidas de raiz para não serem um conjunto uniforme – uma parelha – mas sim um conjunto verosímil.

É sempre necessário, neste processo de conjugação entre diferentes fontes, ajustar as peças ao seu uso concreto: “de notar também que a parte inferior da viseira é bastante curta – a distância dos olhos ao bordo inferior, isto é -, o que levou à necessidade de hipertrofiar a placa de queixo a fim de evitar abrir uma falha entre a borda inferior da viseira e a borda superior da babeira.”

Também a babeira se encontra forrada com uma camada acolchoada para amortecimento dos golpes contra o queixo. Este acolchoado está cosido a duas bandas de couro, uma que corre junto ao bordo superior da placa de queixo e outra junto ao bordo inferior; caso seja necessário remover o forro para limpeza ou substituição, basta descosê-lo destas bandas e voltar a coser.
O CONJUNTO

Aqui se consegue ver a simbiose perfeita entre as peças. É uma simbiose relativamente artificial: em uso regular, é quase impossível impedir, com a celada afivelada dentro da babeira, que se abra um pequeno interstíticio entre o elmo e a babeira. Esta abertura é normal, e incontornável. Apesar disso, as duas peças encaixam como devem encaixar.
Um dos pontos bons de uma reprodução bem feita é a sua versatilidade e capacidade de combinação com outras peças. Como se pode ver nas fotografias abaixo, combinei sem qualquer problema a celada e a babeira com um gorjal de malha, bem como a babeira e o gorjal com a minha barreta. A mobilidade mantém-se a mesma. Esta intercambiabilidade entre peças seria normal na Idade Média, e é marca de um excelente armeiro que se consiga fazer esta troca sem qualquer problema.


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