Due to this article’s length, I thought it wise to publish the English and Portuguese versions separately. For the English version, please click here.
Com a crescente alfabetização das populações nas últimas centúrias da Idade Média, mais e mais pessoas passaram a ter como presença do quotidiano a leitura e a escrita. Fosse para o escriba no seu scriptorium, para o pequeno comerciante e as suas contas, ou até para a dona de casa e as suas receitas, a escrita começa como tudo deve começar: por uma pena bem escolhida e bem aparada.
Este guia passo-a-passo foi redigido pelo Jorge Lar, recriador histórico de longa data e voluntário regular no Middelaldercentret (Centro Medieval) em Nykøbing Falster, na Dinamarca. Todas as fotografias e texto que se seguem, pelas quais muito lhe agradeço, são inteiramente da autoria dele, com apenas algumas leves edições minhas.
Como Preparar Uma Pena Para Escrita
Materiais:
- pena (de ganso ou cisne)
- “penknife” – faca muito bem afiada.
01 – Pena de ganso, com cerca de 2 anos desde a recolha. Foi deixada a secar naturalmente, num local seco. Quando as penas são “frescas”, o cálamo é muito mole, e não serve ainda para escrever. Um método usado para acelerar o processo consiste em colocar a pena numa tijela com areia quente. Este método não é fácil de controlar (demasiado calor seca demais a pena, o que faz com que quebre facilmente), e por esse motivo acho muito mais simples ter penas de reserva por um ou dois anos e esperar que sequem naturalmente, com o tempo.
Nota: Para uma pessoa dextra, as penas da asa esquerda são talvez mais confortáveis, por terem uma curvatura natural para a direita. Como eu sou canhoto, a forma como seguro a pena e, no geral, como escrevo, é totalmente diferente, quando comparado com uma pessoa dextra. Por esse motivo é raro reparar se a pena é da asa esquerda ou direita, não me faz muita diferença).
02/03 – Normalmente as penas boas para escrever (rémiges primárias, da ponta da asa de uma ave adulta) são muito compridas. Uma pena é uma ferramenta que se quer simples e útil, nada das plumas exageradas ou decorativas que se vêm nos filmes… por isso a primeira coisa a fazer é cortar a extremidade da pena, para um tamanho que seja confortável na mão. A medida final pode variar, mas em geral o comprimento de qualquer caneta normal moderna é o ideal (cerca de 15 cm).
04/05 – Seguindo a regra do passo anterior, os vexilos são removidos do raque. Após o arrancar, pode-se passar a faca bem afiada para remover alguns restos que tenham ficado.
06 – Passa-se então para o corte do cálamo:
07 – O primeiro corte é a 90 graus, para retirar a ponta do cálamo.
08/09 – O segundo corte é feito na diagonal, a cerca de 120 graus.
10 – De seguida limpa-se o interior do cálamo, expurgando a matéria morta.
11 – Um corte central (que vai permitir que a tinta flua) é feito na ponta.
12/13 – A ponta é então “afiada” num formato como o dos aparos de metal, dos dois lados do corte (que deve ficar centrado). A medida, ou largura final da ponta depende de cada um, e de vários factores: que tamanho de letra se pretende escrever? que tipo de letra? etc. Nota: os passos 11 e 12 podem ser invertidos, isto é, primeiro afiar-se a ponta e só depois fazer o corte, mas eu acho muito mais fácil e prático afiar depois do corte feito.
14 – O corte final é novamente a direito. Com a pena assente numa base rígida, faz-se um corte limpo, na ponta, de modo a se ficar com uma ponta limpa e perfeitamente linear.
15 – Por fim, com a ponta da faca a cerca de 45 graus, “limpa-se” a ponta da pena. Com o corte anterior (do ponto 14), a ponta pode ficar com uma “barba” microscópica, mas que ao escrever vai fazer com que a pena arranhe o papel, e a tinta não flua naturalmente. Este último corte previne isso, “arredondando”, ou “limpando” a ponta.
16 – Et voilá. Experimenta-se a pena, e se necessário, rectifica-se a largura da ponta, ajustando o corte do ponto 12/13.
Uma boa pena, bem tratada (isto é, limpa depois do uso e que se guarde sempre com cuidado para a ponta não quebrar ou estar sujeita a pressão) pode durar anos. Naturalmente, de tempos a tempos tem de ser afiada novamente, já que a ponta se vai gastando.
Podem ver aqui um vídeo, também ele feito pelo Jorge, de todo este processo.
One thought on “Guia Prático I – Como Preparar Uma Pena Para Escrita”